mercado da angústia de henri pradal. paz&terra,1979.199 págs. Cr$220,00.
a proposição de henri pradal é o estudo das razões da transformação da angústia de base do homem em sua trajetória na sociedade hodierna, tomando como motivo condutor a noção de mercado observando que cada vez mais a angústia pode ser considerada como expressão de uma nova poluição, como um sub-produto da sociedade industrial. pradal circunscreve o mercado quantificando a maneira de viver, conferindo ao homem uma dimensão econômica englobando a totalidade de nossos atos, de nossos desejos que nos impelem à ação, a maioria das nossas funções fisiológicas e a origem de elevada percentagem de nossas doenças. eis que o resultado é a supressão da angústia primitiva - eterna mola de ação - substituída por uma angústia falseada e patogênica, na medida que sua perspectiva é a demanda e a oferta do consumerismo rumo a coisificação a níveis infindos que prenunciam a aniquilação das verdadeiras possibilidades de ser humano, castrando-o a condição de mamífero em desuso, promovendo um verdadeiro assassinato social.
a medição dessa trajetória rumo a "anomia" é feita através do empreendimento médico e demais mitigantes, configurando-se o exercício da medicina e suas extensões através de técnicos instruídos a etiquetar males bem codificados, logo se atendo a disgnosticá-los e medicá-los segundo as regras curativas dominantes, mais interessadas em restabelecer - do que prevenir - incentivando a patogenia para cada vez mais escravizar o indivíduo reintroduzindo-o no mercado numa disponibilidade que em nenhum momento quesitone a origem e a consequência de taís síndromes. clínicos gerais, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, aliados a outras modalidades de programadores sociais, constituem o oficialato subalterno da corporação dos profissionais da angústia cada vez mais eficientes no manejo bisonho do gládio da psicoquímica. uma vez que a angústia produzida pela economia mercantil - ou por sugestão ou por sujeição - apresenta-se, ora como matéria prima, ora como manufaturado, é dela que tal organismo aufere seus maiores lucros. afinal, a angústia do homem foi deslocando-se dos mais variados niveis - inclusive da metafísica primitiva - para um só canal deferente, que advém não do que ele é ou deixa de ser, mas sim do que tem tem ou deixa de ter, possilitando hospedagem a uma angústia patológica que visa o achatamento da consciência e uma posterior supressão de qualquer pensamento conflitante.
o aparecimento do título de pradal é acolhido com simpatia de quem reconhece as boas inteções de um labor intelectual eivado de preocupações quanto ao aprofundamento de estudo e denúncia das relações de dominaçao. porém como o "inferno" - ou o mercado - está repleto de boas intenções, manuseá-lo com proveito exige bem mais do que julgam condizentes em sua missão resenhistas de beiço crítico.
a principal observação que se deve fazer ao trabalho de pradal são sobre suas pernas esguias e dispostas que entretanto parecem desconhecer a contextura da lama que as aguarda quando se pensa atingir a última camada do pano de fundo do charco histórico. devido a esse provável desconhecimento é que bambeia na consecução final do projeto, na questão da angústia, o importante não se resume a fisgada metodológica dela em sí mesma, mesmo enquanto origem e conseguências. o importante está em manusear o feixe ontológico sobre as sinapses da experiência negativa como enfatizou hegel.
o mergulho diagonal configura a inelasticidade teórica de pradal, de sorte que sua clareza torna-se ambígua, não lhe permitindo golpes mais contudentes no terreno da praxis político-filosófica, fazendo com que sua arrumação do tabuleiro deixe a desejar; ora aos não iniciados, pela manipulação de dispares conceitos e sua incompleta formulação, somados a utilização de um vocabulário erudito-clínico que desprezou - a julgar que o livro tomou forma a partir de cartas de milhares de angustiados - a possibilidade de um feed-back que não um ruído angustiante - e a depender do nível de leitura - onde o óbvio ficou oculto. aos iniciados, entretanto, transforma-se em excessiva retórica - onde os cuidados fisiológicos clínicos podem ocultar e/ou resultar eufemismos ideológicos - que apenas se superpôem ao mosaico de múltiplas leituras que, no autor, transparecem rarefeitas e miniminizam sua contribuição sobre a fabricação do controle social através da angústia, nos aparecendo a reboque de autores que resolveram tais questões de foma bem mais brilhante, talvez por se preocuparem menos com a sorte morfológica da angústia e optarem por uma penetração sem rodeios na questão social. tal comportamento se atribuído a sua formação médica (guia dos medicamentos mais usuais e os grandes medicamentos, também pela paz&terra) só faz confirmar o que escrito sobre o primado clínico na explicação do processo de supressão da angústia de base, descrevendo caracteres da tríade do psiquismo-corpo-ambiente, perdendo entretanto a rica oportunidade de reaparelhar os conceitos de excitabilidade e reatividade rumo a somatização à luz política, mais concreta para definir o estágio configurado da criação da angústia como sub-produto, causa e resultante do consumerismo, que imediatamente nos traz à lembrança lukács, transportando-se a reificação para tempos onde o organismo industrial aprimora eficientemente suas técnicas de eliminar o aguçar desta percepção e consequentemente, sue combate como forma de servidão humana. objetar que isso é opção metodológica (finca-pé-ideológico) é assinar o pobre compromisso de não recorrer explicitamente a conceitos chaves e passagens intelectuais pré-firmadas pela teoria marxista, instrumental inegavelmente mais rico e mais preciso para a consecução do tema, quando seu instrumental é tão mais dispendioso e menos configurante. é como recorrer a picadas múltiplas e redundantes - encurtanto isso sim a compreensão formativa - quando já se as tinha abertas.
em consequência dos canais narrativos usados por henri pradal, a ressonância maior da questão da angústia torna-se um descompasso a iniciantes que não conseguem projetar uma sáida de seu quase labirinto de construções pois, sem imaginação sociológica prontamente referenciáveis é certo que engrolarão suas expectativas. é que pradal esbanja morfologia, mas falta-lhe a síntese que o faz parecer repetitivo de gurus bem mais " carismáticos", ilusoriamente projetando-se como ímpar. o decifra-me ou devoro-te na deslocação do eixo da angústia do óbvio oculto para o oculto óbvio está no fato de que na supressão da angústia primitiva implica na neutralização de uma capacidade mental que hoje mais do que nunca corre dia-a-dia o perigo de ser obliterada que é o poder do pensamento negativo, leit-motiv da herbert marcuse em razão e revolução. aqui está o porque da nossa vigilância a prada: é que ele denuncia o que está na ponta do iceberg, insinuando que por sua forma a base tem que ser bem maior, enquanto uma exposição desfraldada ao lume da teoria marxista explicita a base deste iceberg, possibilitando, mesmo a quem não enxerga a ponta do mesmo, fazer projeções sobre métodos - não importando os custos - são usados porque aqueles que através do controle social se querem perpetuamente ápices, manuseando a angústia coletiva - uns contra os outros - para que lá permanceçam os que lá já estão. por isso o paroxismo da angústia. este é básico para a manutenção da estrutura piramidal.(continua)
originalmente publicado no diário de pernambuco, no panorama literário, em 22 de agosto de 1980.
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