apesar da censura e das tentativas de descrédito o livro é sucesso editorial, já na 16 ª ed |
genocídio americano – a guerra do paraguai – júlio chiavennato – brasilense - segunda edição – 188 pp – Cr$ 130,00.
após o final da guerra (1865/1870) mais de cem anos de mentira e nebulosidades sobre o quase extermínio de uma nação contínua - através da proibição não apenas formal a pesquisas mais instigantes ao acervo da guerra do paraguai, capturado principalmente em cerro corá e assunción - desta vez sob as patas da cavalaria econômica/cultural dos vencedores que inicia seus primeiros exercícios de campo nas articulações vitais do dever de casa(a capa de sílvio dworecki é a alusão perfeita ao fato), investindo-se sob a ação de canetas pontiagudas, num nacionalismo xenófobo que a pequenos traços deforma e formula a caminho da irreversibilidade, a alimentação do orgulho hipócrita de adultos extasiantes com cenas falseadas de episódios históricos e militaristas. conservado no formol do ufanismo deturpado, francisco solano lopez continua sendo apresentado(e a história oficial não abrirá mão, afinal esta guerra determina a patronalidade de duas armas) como sátrapa, sanguinario, comedor de criancinhas no café da manhã, aliás como são representados todos que surjam como re-visão do mundo e assim contrariem o dissoluto absolutismo cultural e a ditatorial/idade política do momento dos vencedores.
a matança tem prosseguido e continua às avessas, apresentando os paraguaios como bárbaros índios, ignorantes (os de ontem e os de hoje) uma vez que o leitor não tem acesso(e não faz por donde tamanha a cataquese e orgulho medroso ante a verdade) a uma historiografia crítica e sim oriunda de um império que sedimentou conceitos básicos e e opiniões, em troca de favores outros para encobrir as verdadeiras razões e extensões do genocídio.
de teixeira mendes, ao coronel bernardino bormann, jesuíno lopes & cia. editores, curitiba, 1897, as anotações corajosas do coronel cunha matos sobre a história da guerra do paraguai de max von versen, livraria editora itatiaia ltda. belo horizonte, 1976, a probição do “ solano lopez, o napoleão do prata, de manlio cancogni e ivan bóris, civilização brasileira, que foi vetado em 1975, autores têm sido relegados ao esquecimento por sua criticidade histórica o que mostra o combate a toda e qualquer tentativa de revisão histórica que signifique atentado a versão oficial dos vencedores. o turismo da historiografia oficial utiliza o álibi do perfeccionismo para uma análise que não seja a formal. a postulação crítica dos fatos tem sido substituida por números: condições climáticas, horários, quantidade de canhões, comandantes a frente, etc. os relatos de testemunho pessoal são utilizados por historiadores para fazer o apanágio que encubra uma realidade desprimorosa para a política imperial da época e também para o hoje, pois quem se arrisca a “ cometer um crime contra a nacionalidade “. caxias e tamandaré (patronos do exército e marinha, respectivamente) numa posição bem diferente da que fomos acostumados a decorar?
o problema não é exigir a cabeça de quem quer que seja, mas a criticidade quanto ao erigir bustos de duvidosos heroísmos e a humana consciência de que, sendo homens, e numa condição de guerra, algumas ações acabariam mesmo por acontecer. e chega de estoicismo baratos.
também não se trata de inquisitoriar ao avesso uma interpretação formal de historiadores alienados que testemunharam a guerra ou a escreveram através do relato apaixonado de homens que viveram as batalhas como por exemplo a historiografia de taunay e joaquim nabuco. o problema é a estagnação cultural e a repressão cultural(mesmo em tempos de abertura) que dificulta a revisão histórica que, uma vez não efetuada, ocasiona os desastres que são os livros, principalmente de primeiro e segundo graus, que: ou vem com vagalhões de dias heróicos (“ como se a história fosse feita para se comemorar datas”, em festas sazonáveis) ou com o anedotário cabraleônico. tudo isso, com o agravante de ser alimentação única e restrita de jovens, num país jovem, de população predominantemente jovem. isto faz pensar seriamente no futuro, já, aqui e agora.
os adultos, estes foram tão bem catequizados que muito embora pela aferição primária da comparação geo-política e territorial que gera um zum-zum-zum, afinal o descomunal poderio de brasil, argentina e uruguai de contrapeso, faz qualquer um pensar quando o “terrível” inimigo descobre-se é o pequeno paraguai que despertou outros interesses, daqueles que temerosos por“razões outras” estancam e não fazem por donde. “yo el supremo” de augusto roa bastos, sobre o ditador franca (epifenômeno que iria modificar o panorama do paraguai e chegar a ameaçar os interesses ao tempo de solano lopez) foi traduzido para o brasil pela editora paz & terra. mas um ou outro outro furo (exceto o rombo de chiavenatto) não são suficientes para a introdução à compreensão totalizante dos acontecimentos. livros tais como “processo a los falsificadores de la história del paraguay “, atillo garcia mellid, ediciones theoria, buenos aires(1963) ou “ la guerra del paraguay: gran negócio”, leon polmer, ediciones caldén, buenos aires(1968) por certo aprimorariam a visão sobre o assunto se aqui chegassem senão além das citações bibliográficas ou na maleta (finalmente livre?) de algum viandante interessado em alguma coisa a mais “ que las noches cálidas de latino américa “.
júlio josé chiavenatto mandou ver alguns países da américa latina movido – muito menos – pelo combustível da indignação contra as atrocidades cometidas pelos “corações cristãos do brasil “(e atribuidas em sua totalidade aos paraguaios) e - muito mais – movido pela indignação contra a escamoteação que a quase totalidade da historiografia brasileira fez, e faz, sobre a guerra do paraguai. por isso, a importância do livro, porque é nas rodas da moto rápida deste paulista, que o paraguai inicia o difícil caminho dentro de nossas fronteiras da revisão histórica e nela rasgam-se sem eufemismos as falsas bandeiras da intocável reluz/au/sência dos preceitos históricos de nosso heroísmo chavão.
as resenhas em geral tem-se ocupado de chamativamente destacar fatos como se a intenção fosse um certo revanchismo ou pretensão de atirar lama ( tá na moda ?) aos vultos politicos/militares que desfilam nos dezessete capítulos sangrentos e venenosos desta guerra. da contaminação das águas ribeirinhas, por caxias e mitre; da matança dos niños-combatientes a 16 de agosto de 1869 (20.000 soldados brasileiros contra quinhentos soldados e 3.500 crianças de nove a quinze anos) ; do assassinato de 96,50% dos homens paraguaios e 75% do povo; são chamarizes eficazes a uma abordagem sensacionalista do assunto. mas não é esta a intenção do livro. este comportamento equivale as especulações editoreiras em torno do assunto que, por exemplo, transformaram a tese de doutoramento de 1976, intitulada “ moeda e vida urbana na economia brasileira, rui guilherme granziera, edição hucitec/unicamp, em “ a guerra do paraguai e o capitalismo no brasil “, onde os fatos não colam coisa com coisa e servem apenas de falso chamariz a um livro, inclusive de qualidade, mas de pretensões outras.
muito mais importante e introdutório, além de possibilitar o início de novas abordagens, são os capítulos que circulam em torno do capitalismo do barão de mauá e suas ligações com o capital inglês, papel de mr.washburn; o manuseio das missões diplomaticas e manuseio dos signatários da tríplice aliança pelos mesmos interesses ingleses; a maçonaria e suas extensões(se bem que a abordagem é apenas noticiosa); a imprensa de guerra( ver o “cabichui” contas as “macaquices”); a composição dos exércitos e a política escravocata de então, etc. enfim, tudo o que prepara a demonstração da verdade que não é nova: o poderio e veneno da
insaciabilidade dos interesses econômicos conduz homens a posições deprimentes.
as críticas maiores a chiavenatto, além da adjetivação de maniqueísta por todo o lado, são quanto as revisões históricas e defesa dos princípios diante do “modus operandi” que o autor teria efetuado ao deixar essas intenções explícitas no livro. parece-me que o afã pelo livro despertou leitura precipitada e julgamentos nos seus ávidos leitores (os favoráveis, os do contra ainda estão se recompondo, evidentemente não tão rápido como sempre o fazem) que mergulharam nos fatos desprovidos de não “ uma bula de contra-indicações”, mas do distanciamento exigido a tais leituras, isso aos críticos, pois os leitores normais ainda estão ainda baqueados entre a incredibilidade e o como é que pode, se saiu ?
para que possamos motocar com chiavenatto, o livro necessita de algum esforço na concatenação de alguns fatos( e não quanto a sua leitura em sí, que pelo contrário, dado a linguagem jornalística, permitem (sem o peso de uma falsa postura histórica que disso precisa para referendar o encobrimento de seus deslizes) uma leitura agradável e excitante.
publicado originalmente no diário de pernambuco, no panorama literário , no domingo 29 de julho de 1979.
nota atualizada: o paraguai na época, era uma nação independentemente econômicamente. uma indústria pioneira, inclusive no setor de armas, com fundições e know-how próprio, sustentava uma população vivendo com qualidade de vida superior a seus vizinhos. a guerra, articulada pela inglaterra, tinha como objetivo acabar com esta mesma independência, procurando esfacelar o estado paraguaio, submetendo-o as regras do capital colonizador inglês.
mais sobre chiavenatto em : http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1307797502_ARQUIVO_HistoriaehistoriografiarevisandoaobraGenocidioamericanoaguerradoParaguai,deJJChiavenato.pdf
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